Modinhas literárias vêm e vão, mas a literatura fica!

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Harry Potter
Série Harry Potter já vendeu mais de 400 milhões de exemplares em todo o mundo

Bruxos, vampiros, lobisomens, zumbis, deuses, personagens com graves doenças e mundos que não têm nada a ver com aquilo que sonhamos. Estas e outras características fazem parte das obras literárias mais populares dos últimos tempos. Somente Harry Potter, a série de sete livros escrita por J.K. Rowling de 1997 a 2007, já ultrapassou a marca dos 400 milhões de exemplares vendidos.

Mas, a obra da escritora britânica não é o único fenômeno. Após o lançamento da história do menino que sobreviveu, diversas outras tendências surgiram no mundo literário. Esses livros são caracterizados por algumas pessoas como modas ou modinhas literárias e geralmente são destinados a um público jovem, têm diversas sequências e de uma forma ou de outra acabam parando nas telonas do cinema ou nas telinhas da TV por serem best-sellers.

Dos vampiros às distopias

Stephenie Meyer
Stephenie Meyer foi a criadora da saga Crepúsculo

Um exemplo claro das “modinhas literárias” teve início com o livro Crepúsculo, de Stephenie Meyer. A obra completa envolve quatro volumes e já vendeu mais 100 milhões de exemplares ao redor do mundo. Mesmo longe de ser o primeiro livro sobre vampiros do mercado, a história criada pela escritora americana lançou uma tendência e diversas obras do segmento puderam ser vistas nas prateleiras.

Logo depois, com um desdobramento da onda de criaturas de caninos afiados, E.L. James fez sua estreia com a trilogia Cinquenta Tons de Cinza. A obra iniciou uma nova moda, a de romances eróticos. Mais uma vez, este também não era o primeiro livro do segmento, no entanto, seu alcance (100 milhões de cópias vendidas) colocou o tema em evidência e enredos como Toda Sua e Peça-me o que Quiser passaram a preencher as vitrines das livrarias.

Distanciando-se de criaturas místicas e mocinhas sedentas por um amor mais selvagem, surge no início dos anos 2010 uma nova tendência, a de livros YA (young adults, ou jovens adultos) contemporâneos, mas que contam com protagonistas que de alguma maneira tem sua saúde comprometida. Nessa seara, John Green desponta com A Culpa é das Estrelas e quase simultaneamente R.J. Palacio se torna conhecida com Extraordinário. Nasce, então, na blogosfera literária o termo sick-lit (adaptação do termo chick-lit – livro de mulherzinha – por meio da junção das palavras sick – doença em inglês – e literatura).

E. L. James
E. L. James se inspirou na saga Crepúsculo para criar Cinquenta Tons de Cinza

As distopias adolescentes são o mais recente exemplo de um fenômeno mercadológico na literatura. Suzanne Collins e seus Jogos Vorazes venderam somente até 2012 mais de 80 milhões de cópias em todo o mundo. Em seguida, Veronica Roth ganha fama com a trilogia Divergente – obra que teve a segunda parte de sua adaptação cinematográfica lançada nos cinemas brasileiros ontem. Ambos os enredos arrebataram diversos fãs pelo mundo e são a cara desta nova tendência.

O lado mercadológico

Jogos Vorazes
Larissa Helena participou do lançamento da trilogia Jogos Vorazes, de Suzanne Collins, no Brasil

Uma das responsáveis pela publicação da trilogia Jogos Vorazes no Brasil, a editora da Rocco Jovens Leitores Larissa Helena atribui todos esses grandes sucessos ao público jovem. “Este tipo de literatura tem um potencial de vendas assombroso”, destaca.

Para ela, o sucesso de Harry Potter fez com que todos buscassem um novo livro de crianças que vivem em mundos fantásticos capaz de atingir o mesmo sucesso. As editoras não ficaram de fora disso. “Esse foi um dos principais motivos que fizeram com que esse tipo de literatura crescesse tanto nos últimos anos”, aponta Larissa. Mas, apesar do que possa parecer, ela garante que o mercado editorial não sobrevive destas sazonalidades.

A profissional também defende que as adaptações cinematográficas são outro fator responsável pelo sucesso dos livros jovens. As telonas amplificam o alcance dessas histórias e muitas vezes fazem com que o adolescente saia do cinema e vá direto para a livraria.

Quem discorda desta visão é o professor e escritor Pierluigi Piazzi. “Há duas razões que fazem com que um longa-metragem afaste o jovem da leitura”, destaca o educador. “A primeira é a falta de fidelidade ao original e a segunda é a ilusão de que ao assistir o filme, o sujeito já conheceu a obra”, argumenta.

Onda do momento

Cristiam Oliveira - Índice X
Cristiam Oliveira, criador do canal literário do YouTube Índice X

Uma das principais características de uma moda é que ela é passageira. Apesar de não ser algo novo, a distopia é atualmente o gênero em evidência na literatura jovem. O que faz muitos leitores se questionarem quando essa nova tendência chegará ao fim.

Como profissional do mercado editorial, Larissa entende que esse segmento literário ganhou um novo fôlego, pois recebeu nos últimos tempos um olhar diferenciado e voltado para o jovem. “Este é mais um capítulo da história deste gênero da literatura”, afirma. Seguindo com os investimentos neste sentido, a Rocco planeja lançar ainda em 2015 os dois primeiros volumes de mais uma série distópica. Intitulado como Sob o Céu do Nunca, o novo enredo é assinado pela brasileira Veronica Rossi e anteriormente havia sido publicado pela Editora Prumo.

Alison Iared e Cristiam Oliveira, criadores do canal literário do YouTube Índice X, acreditam que a atual moda distópica perderá força gradativamente com o fim das adaptações cinematográficas. “O término de Jogos Vorazes e Divergente nos cinemas vai ser o início do fim para essa onda do momento”, apontam. (Confira entrevista completa no vídeo abaixo).

Clássicos VS best-sellers

Alisson Iared - Índice X
Alison Iared, criador do canal do YouTube Índice X

Outra questão frequente quando o assunto se refere aos best-sellers é a relevância que eles têm frente aos livros tidos como clássicos. De uma maneira ou de outra sempre acabam surgindo aqueles que consideram a leitura das obras de J.K. Rowling, Rick Riordan, Stephen King e muitos outros uma grande perda de tempo. Eles defendem autores como George Orwell, Machado de Assis, Eça de Queirós e uma lista de vestibular inteira como os “verdadeiros escritores”.

Cristiam discorda desta posição. Para ele, a busca do jovem por livros que estão na moda (em sua maioria best-sellers) é totalmente positiva. “A leitura de infantojuvenis é um começo”, explica o vlogueiro. “Acho mais interessante que o jovem se inicie na leitura com que gosta do que forçá-lo a começar um clássico”.

Já Alison destaca a própria experiência e lembra: “Eu não gostava de ler, mas foram livros de aventura como Percy Jackson que me fizeram começar este habito e não parar mais”.

Em sala de aula

Pierluigi Piazzi
Professor e escritor, Pierluigi Piazzi lê fluentemente em cinco idiomas

Baseando-se nas listas das principais universidades brasileiras, diversas escolas selecionam clássicos das literaturas portuguesa e brasileira para os alunos de 15 a 17 anos. Ato condenado pelo professor Pierluigi.

Ele argumenta que o sistema de ensino brasileiro é especialista em criar o verdadeiro ódio pela leitura. O professor entende que cada um deve ler o que gosta e por prazer, independentemente do conteúdo. “Os professores de Português, antes de serem mestres de literatura, deveriam ser mestres de LEITURA”, esclarece.

Apesar de sua posição, ele alerta que devemos evitar o que chama de estilo videogame. Ao invés de livros como Jogos Vorazes, Pierluigi sugere A Mão Esquerda da Escuridão, de Ursula le Guinn, e O Fim da Infância, de Arthur C. Clarke, obras que pertencem ao gênero de ficção científica, área mais criativa e estimulante para criar o prazer pela leitura segundo ele, e que são muito mais inteligentes que os tidos como os clássicos 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley.

Quando questionado sobre as obras consideradas academicamente relevantes para o sistema educacional brasileiro, Pierluigi, que lê fluentemente em cinco idiomas e calcula ter lido pelo menos 3 mil livros ao longo de seus 72 anos, é enfático: “A chamada literatura mais evoluída aqui no Brasil não está (salvo raríssimas exceções) à altura do resto do mundo”.

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Jornalista formado desde 2013 – o tempo voa. O primeiro livro da minha vida foi “O Menino que Aprendeu a Ver”, de Ruth Rocha, em 1999. Enquanto a minha geração se aventurava com Harry Potter, a série que me conquistou para o mundo da leitura foi Deltora Quest, de Emily Rodda. Não tenho livro favorito, pois não consigo escolher e sempre tento variar os gêneros literários de uma leitura para a outra para abranger os mais variados temas possíveis.

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