Resenha – Animais Fantásticos e Onde Habitam – O Roteiro Original, de J.K. Rowling

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Aguardada com grande expectativa pelos eternos fãs de Harry Potter, a saga Animais Fantásticos chegou aos cinemas em 2016 arrastando multidões. O primeiro filme da série, Animais Fantásticos e Onde Habitam, arrecadou mais de US$ 800 milhões em bilheteria e trouxe um novo respiro para o mundo bruxo. Com roteiro assinado pela criadora de Hogwarts e seus personagens, J.K. Rowling, a receita para o sucesso era quase certa.

Ao sair da sessão de Animais Fantásticos em 2016, junto com a @jooojoka, comentei que não havia gostado. Achei o filme estranho. Não era o mundo de HP que eu vira tantas vezes antes no cinema e nos livros. Com o passar do tempo, reassistindo algumas vezes, passei a “perdoar” um pouco mais o longa e até a gostar mais do enredo e dos personagens. Porém, consciente de que não era, nem de longe, algo parecido com HP.

Em 2022 decidi então dar a chance que J.K. sempre merece, que é a de ler aquilo que ela cria e não necessariamente assistir. Foi então que comprei o roteiro, publicado no Brasil pela @editorarocco, e descobri que eu estava, em parte, certo.

Animais Fantásticos vs HP

Cartaz de divulgação de Animais Fantásticos e Onde Habitam

De primeira, a coisa que mais me incomoda nessa história é que, nos sete livros e nos oito filmes de HP que acompanhamos, a comunidade bruxa vive quase que de forma clandestina. Há um distanciamento muito claro entre o mundo trouxa e o mundo bruxo. Percebemos isso, pois em diversos momentos os bruxos não entendem os hábitos trouxas, não compreendem suas tecnologias e sequer sabem usar um telefone ou o metrô.

Entretanto, em AFEOH nos deparamos com uma comunidade mágica e não-mágica integrada, quase em uma simbiose. Isso causa tremendo estranhamento, pois o plot principal do filme é justamente o eminente conflito entre esses dois “povos”, porém as coisas funcionam de forma, até certo ponto, pacífica. Isso traz para o expectador (do filme) leitor (do roteiro) uma sensação de mundo civilizado muito avançado (muito mais do que aquele visto em HP – que se passa entre as décadas de 1980 e 1990 – enquanto AF se passa nos anos 1920). Bug na linha do tempo.

Fora a questão de enredo, outro ponto que deixa o consumidor dessa história com a pulga atrás da orelha é o aspecto visual (sim, pois é um filme). No mundo idealizado pela autora dos livros, bruxos são muito excêntricos para os padrões trouxas. Isso se manifesta inclusive na maneira de se vestir. Logo nas primeiras páginas de A Pedra Filosofal nos é descrito que os humanos dotados de magia utilizam roupas muito específicas como capas, chapéus pontudos e vestes longas, quase sempre em cores chamativas e berrantes como verde esmeralda, azul celeste e lilás. A inspiração, sem dúvida, é medieval. Tudo isso, de novo, entre as décadas de 1980 e 1990.

Já em AFEOH, nos deparamos com bruxos dos anos 1920 que se vestem como agentes secretos dos tempos clássicos, todos com sobretudos e chapéus comuns (não pontudos) nas cores cinza, preta ou bege. Todos sóbrios, todos discretos e circunscritos dentro do padrão não-maj (tendo apenas o protagonista como uma exceção). Em resumo, vestimentas mais modernas do que aquelas utilizadas em HP, causando mais uma incoerência na linha do tempo. Entretanto, como o filme ganhou um Oscar em figurino em 2017, parece que todo mundo ignora esse fato.

Bruxos vs Heróis

A premissa da discrição bruxa também vai para o espaço em AFEOH quando notamos que simplesmente os personagens sacam suas varinhas sem qualquer receio no meio da cidade de Nova York e conjuram seus feitiços sem qualquer preocupação. Chegamos ao ponto de criaturas mágicas destruírem a ilha de Manhattan como verdadeiros Power Rangers (destruindo cidades inteiras com seus MegaZords).

Não somos leigos. Sabemos que se um elfo doméstico fizer um bolo de chantilly flutuar dentro de sua casa, caso seja menor de idade ou caso seja um adulto e trouxas estejam presentes, o bruxo responderá a um inquérito ministerial grave que provavelmente resultará na perda de sua varinha. Tudo isso, porque a ameaça de exposição do mundo mágico a apenas um trouxa que seja é levada tão a sério que o resultado de tal ação não poderia ser outra a não ser a punição mais severa.

Todavia, em AFEOH a criadora parece ter optado por simplesmente ignorar isso e apresentar ao público uma solução x-machina que apagará a memória de todos os habitantes de uma cidade do tamanho de Nova York devastada. Agora eu te pergunto, qual o problema de jogar um bolo de chantilly na cabeça da visita?

Filme vs Roteiro

As intensões dos personagens estão descritas no roteiro, o que facilita o entendimento da história

Achei AFEOH muito confuso e lento nas telas, mas confirmei minhas suspeitas. A história se desenrola melhor no papel. Ao ler o roteiro, tive acesso a coisas que na tela são apenas subjetivas e que dependem intrinsicamente do ator e do diretor para que possam ser transmitidas ao público. Mesmo como roteirista, J.K. nos dá acesso aos pensamentos dos personagens e não é incomum encontrarmos trechos como: “…fulano de tal demonstra decepção em seu rosto, pois escondia um desejo no seu mais profundo âmago”. Isso facilita muito o entendimento da história e é quase impossível de ser transmitido pelos atores por meio de expressões faciais e gestos.

Em resumo: o que falta para Animais Fantásticos e Onde Habitam é, sem sombra de dúvidas, a narrativa da J.K. sem as amarras que o cinema lhe impõe, como tempo para criação (cinema é muito corrido), orçamento (nem tudo que é imaginado tem viabilidade financeira), tecnologia (nem tudo que é imaginado é possível de ser transportado para as telas com verossimilhança), elenco (pessoas morrem, desistem de trabalhos, têm outros projetos, têm problemas de saúde e têm problemas em casa…), diretor (ele é o verdadeiro dono do filme) e questões externas como uma pandemia.

J.K. precisa ser livre para criar e imaginar, pois foi assim que ela deu forma a algo tão incrível e fenomenal como Harry Potter. Quem leu os livros sabe que o mundo bruxo literário é infinitamente mais rico e mais complexo do que aquele apresentado nas adaptações. Não foi possível transportar tudo para as telonas. Então, um mundo bruxo que já nasce para o audiovisual, já perde desde o início. É somente por meio da narrativa fluente, gostosa e já conhecida por todos nós que essa história vingaria. De outra maneira, AF continuará sendo apenas uma série de filmes perdida, lenta e com um roteiro ruim (sem o aprofundamento que necessita é o que quero dizer).

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82%
82%
Bom
  • Enredo
    10
  • Desenvolvimento
    6
  • Clímax
    7
  • Edição
    10
  • Originalidade
    8
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Jornalista formado desde 2013 – o tempo voa. O primeiro livro da minha vida foi “O Menino que Aprendeu a Ver”, de Ruth Rocha, em 1999. Enquanto a minha geração se aventurava com Harry Potter, a série que me conquistou para o mundo da leitura foi Deltora Quest, de Emily Rodda. Não tenho livro favorito, pois não consigo escolher e sempre tento variar os gêneros literários de uma leitura para a outra para abranger os mais variados temas possíveis.

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