Resenha – Os Karas, de Pedro Bandeira

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Pedro Bandeira - Biografia e obras
Pedro Bandeira

Lançada a partir de 1984, a série Os Karas, de Pedro Bandeira, é composta por seis volumes que contam a história de Miguel e seus quatro amigos que juntos formam a turma dos Karas (o avesso dos coroas, o contrário dos caretas). Nestas seis aventuras, os protagonistas agem como uma espécie de time de agentes secretos. A cada nova história o autor nos apresenta um crime e estes jovens excepcionais são fundamentais para a solução dos casos.

É importante destacar que o canário criado por Bandeira para desenvolver suas histórias é o ideal. O escritor elimina qualquer tipo de empecilho que pudesse atrapalhar os jovens de 14, 15, 16 ou 17 anos de viver uma “vida adulta”. O que quero dizer é que, primeiramente, todos esses personagens vêm de famílias muito ricas, ou seja, dinheiro não é o problema. Esses meninos estudam no melhor colégio do País e só podem fazer isso, pois são os melhores entre os melhores. Quero dizer: eles são alunos de destaque mesmo em um colégio de elite para estudantes prodígio.

Além de tudo isso, o alto rendimento desses adolescentes não fica apenas no campo intelectual. Eles também são atleticamente supercapazes. Sim, eles são exímios ginastas e esportistas em nível de seleção brasileira prontos para campeonatos internacionais. Também não espere ver pais nessas histórias. Exatamente! Os pais dos protagonistas não aparecem e são raramente citados.

Sessão da tarde

Todas essas características te lembraram zilhões de roteiros que você (mais velho) assistiu na Sessão da Tarde ou no Cinema em Casa (para quem é mais velho ainda)? Sim, essa é exatamente a sensação que temos ao ler esses livros. São histórias infanto-juvenis idealizadas para que os leitores se “reconheçam”, ou melhor ainda, se projetem nelas. É o sonho de independência de qualquer jovem.

Justamente por essas características, o adulto como eu que embarcar nessa empreitada de (re) ler esses livros depois de anos precisa acionar o botão da suspensão da descrença. Simplesmente abraça e segue. Não é por que os personagens são superlativos ou porque os acontecimentos são muito convenientes que o livro é ruim. Lembre-se que Os Karas foi a sensação do Ensino Fundamental dos anos 1980, 1990 e 2000. São livros formadores de leitores e é por aqui que muita gente começou. Os livros são divertidos e a maioria deles prende a sua atenção – queremos saber quem são os bandidos mesmo quando isso já é óbvio.

Será importante relevar também as conclusões que os personagens chegam. Em muitos casos, esses adolescentes vão tirar ideias, palpites e conclusões do simples nada e isso vai ser fundamental para a história se desenrolar. Já disse, não questione, só abrace.

Questão de tempo
Antiga coleção Os Karas

Acho que já há um consenso geral entre as diferenças de gerações. Não há como comparar a vida e o tipo de pensamento de quem viveu e cresceu nos anos 1980/1990 com o os adolescentes dos anos 2010. Eles não tiveram e não têm a mesma vida nem de longe. Por isso, tenha em mente que haverá conflitos de pensamento entre os jovens daquela época e os de hoje.

Os seis livros da série Os Karas foram lançados no decorrer de décadas, começando lá em 1984. Já o segundo só chegou às livrarias em 1987. Terceiro e o quarto seguiram em 1988 e 1994. O quinto foi publicado apenas em 1999 e o sexto e conclusivo volume só veio a público em 2014. Sim, o espaço de tempo entre o primeiro e último é de 30 anos. Por isso, atenção para não condenar erroneamente, principalmente, os primeiros volumes.

Será comum vermos comportamentos, pensamentos e ideias que não estão de acordo com a maioria dos jovens de hoje. Há pouca representatividade, por exemplo. Magri é, até certo ponto, a única representante feminina do grupo. Por esta razão, ela será o interesse amoroso de praticamente todos os garotos que sim, farão comentários sobre o corpo da menina. Ela também será vítima de crimes como tentativa de estupro, mas o caso será tratado com certa normalidade até mesmo pela própria garota – sem menção a traumas ou a qualquer coisa do tipo.

Atual, mas…

Outro exemplo de conflito entre geração pode surgir em Pântano de Sangue. A certa altura do texto será colocada em questão a originalidade do índio. Quão índio pode ser alguém que usa calças jeans, usa óculos escuros e traja camisetas com estampas relacionadas a outros países? Tudo isso será colocado em questão em meio a uma trama que trata sobre destruição do Pantanal e tráfico de drogas.

Outros pontos menos polêmicos, mas que podem ser considerados inadequados para crianças/adolescentes de hoje também são potenciais causadores de estranhamento. Todos os livros falarão de morte, assassinato de adolescentes, estupro, cadáveres pendurados em árvores com bocas cheias formiga, drogas e diversos outros temas que podem ser sensíveis nos dias de hoje, mas que naquela época eram considerados normais para o público.

Vejam bem, eu não estou aqui dizendo que tais temas são defeitos ou pontos negativos dos livros. Pelo contrário, acho que falta um pouco desse tipo literatura infanto-juvenil hoje em dia. Contudo, nunca se sabe quais problemas os pais superprotetores vão encontrar em histórias como essas.

A Droga da Obediência

Uma organização criminosa está sequestrando os alunos dos melhores colégios de São Paulo. Quando um dos estudantes do Colégio Elite some, Miguel – o líder dos Karas – convoca seus amigos Crânio, Malu, Calu e, o jovem e recém-chegado ao grupo, Chumbinho para investigar o que está acontecendo. Envolvidos em uma trama com toques de romance policial e ficção científica, os garotos se veem frente a frente com a morte.

Já a partir do primeiro volume o leitor precisará compreender que, apesar de no subtexto este livro imprimir uma crítica ao regime militar que chegava ao fim quando a história foi lançada, ele ainda é um livro para crianças/adolescentes. Abrace a história para se divertir. Cheguei até a me surpreender com o plot twist. Vale a pena, principalmente, para quem está começando a ler.

Pântano de Sangue

Um professor do Colégio Elite é assassinado logo após retornar de uma viagem ao Pantanal. Muito amigo do docente, Crânio acredita que a chave para encontrar os responsáveis pelo crime está nas fotos que o amigo fez durante o passeio. Crente que os criminosos estão em meio às florestas do Mato Grosso do Sul, o jovem parte em uma viagem solitária para investigar o ocorrido. Quando o adolescente também some, os outros Karas partem para uma aventura de perigos e arrependimentos.

O segundo volume da série deixa a ficção científica de lado e parte para temas mais realistas: tráfico de drogas e armas e a ameaça à fauna e a flora pantaneira. A necessidade de relevar certos vícios ou características dos Karas continua presente. O autor consegue marcar melhor as personalidades dos personagens aqui. Esse é, talvez, o livro que entrará em conflito mais vezes com os jovens atuais. Tudo por causa de falas de personagens, comportamento de alguns deles e, até mesmo, trechos da narração.

Já é possível perceber aqui uma fórmula de Bandeira. Sim, o livro seguirá o mesmo esquema que o anterior e já fica um pouco mais difícil relevar alguns furos de enredo. Em compensação, a história também fica mais pesada. Aqui encontraremos muito mais mortes, cenas chocantes e bandidos impiedosos do que no anterior.

Anjo da Morte

O professor de teatro de Calu é assassinado logo antes de adentar o palco para a estreia de sua mais recente montagem. A partir daí os Karas novamente voltam à cena, desta vez para encarar uma organização neonazista que busca o sinistro objetivo de utilizar o Brasil como plataforma inicial para instalação do 4º Reich.

Ainda exige suspensão da descrença, mas a tentativa de trazer temais mais realistas segue no terceiro volume, agora com o tema Nazismo. Este é o melhor livro da série, apesar do final com o qual não concordei nenhum pouco. O autor utilizou como base o personagem histórico Josef Mengele, médico nazista que ficou conhecido como Anjo da Morte durante a Segunda Guerra e que se refugiou no Brasil após da queda de Hitler. O criminoso faleceu na cidade de Bertioga, no litoral norte do estado.

A terceira parte dessa série segue ainda com muitas cenas de violência e Bandeira mantém a sua fórmula desde A Droga da Obediência. A conclusão, no entanto, achei problemática. Os protagonistas são submetidos a uma espécie de Escolha de Sofia que não transmite uma mensagem positiva para as crianças. O autor também segue construindo um quadrado amoroso entre Magri, Calu, Miguel e Crânio.

A Droga do Amor

Um cientista cria uma droga capaz de curar o mal do século. Entretanto, ao chegar ao Brasil, o pesquisador é sequestrado no aeroporto.  Este é, sem dúvida, mais um caso para os caras. Entretanto, Magri descobre que Miguel, Calu e Crânio decidiram acabar com a turma para não ter que disputar o amor da menina entre si. Em meio a tudo isso, nossos protagonistas descobrem que um antigo inimigo pode estar de volta.

Este é o livro mais curto e o mais chato de toda a série. Diferentemente dos volumes anteriores, que tinham como enredo principal o grande mistério a ser resolvido, este lugar agora é ocupado pelo relacionamento entre dos Karas. Magri é a grande protagonista da vez e parece que o autor, justamente por ter uma personagem feminina em destaque, optou por evidenciar o romance em vez da aventura.

O crime está ali apenas para cumprir tabela. Isso fica muito evidente quando comparamos o enredo de A Droga do Amor com os anteriores. Vemos aqui uma repetição de narrativas como o desenvolvimento de uma droga muito importante (a mesma coisa de A Droga da Obediência) e há um crime cometido no aeroporto (a mesma coisa de Anjo da Morte), fora aquela velha estrutura da série que se mantém.

É fundamental destacar também que os livros anteriores, apesar infanto-juvenis, conseguiam prender a atenção do leitor. Isso se perde nesse quarto volume. Seguindo com os pontos de dissonância, as cenas violência contidas nessa série foram ceifadas dessa história. A grande polêmica é outra. Logo no início do livro, Magri compara os quatro garotos dos Karas a bananas que estão em cima da mesa. A passagem, que traz muito estranhamento, mostra a menina atribuindo cada uma das frutas a um deles, fazendo referência ao tamanho.

Droga de Americana

O presidente dos EUA vem ao Brasil acompanhado de sua filha, mas ela sofre uma tentativa de sequestro enquanto está em visita ao Colégio Elite. Todavia, Magri entra em ação e troca de lugar com a primeira filha. Agora, os Karas terão que correr contra o tempo para salvar a amiga que corre risco de morte.

De todos é o que me parece menos engajado. Não tem uma grande campanha por trás e nem faz grandes críticas apesar de um leve tom anti-armamentista. Na maior porte do tempo Droga de Americana só conta uma história fantasiosa com aquele quê de Sessão da Tarde. Mesmo assim é melhor que o seu antecessor, pois tem história para contar apesar de demorar para acontecer.

É legal lembrar que Droga de Americana pode ser considerado um livro refugo. Bandeira tentava escrever um livro que se intitularia A Droga Virtual, mas foi vencido pelo rápido avanço tecnológico, ao qual a escrita não conseguia acompanhar. Sendo assim, abandonou a ideia original, reaproveitou alguns personagens e reestruturou o enredo. Talvez por isso esse volume traga a sensação de simplicidade.

A Droga da Amizade

Lançado anos depois de Droga de Americana, A Droga da Amizade é o último livro da série Os Karas. Bandeira não tinha planos de continuar a série. Segundo ele, a atual tecnologia dificultaria muito a construção de uma nova história. Entretanto, no fim ele achou uma saída, o flashback.

A Droga da Amizade se passa muitos anos após a última aventura, porém a história se pauta em recordações do protagonista Miguel. Sendo assim, toda a ação do livro se remete ao passado. Não foi, de fato, uma solução muito original para driblar as questões tecnológicas de hoje, mas também não é ruim. O meu problema com esse livro é outro. Eu tenho dificuldade com contos. Prefiro histórias contínuas. Porém, o que o autor traz aqui é quase um livro de contos. Os flashbacks vão trazer histórias picadas envolvendo Os Karas.

Claramente eu não sofri o efeito que esse livro se propunha. A Droga da Amizade é um livro publicado 15 anos após Droga de Americana e 30 anos após A Droga da Obediência. Os leitores que entraram em contato com essas obras nos anos 1980 e 1990 devem ter sofrido um efeito nostálgico muito forte, um reencontro inesquecível com esses personagens. Além disso, o sentimento de reconhecimento também conta já que essas pessoas também eram crianças/adolescentes naquela época e hoje são adultos.

Não foi um livro que me empolgou. No decorrer das histórias fiquei com a impressão de que a linha temporal não faz sentido. Personagens utilizam a internet de maneira muito prática e, considerando que a ação ocorre no passado (1980/1990), tais situações não fazem sentido. Apesar de tudo, o livro encerra bem a série em um clima nostálgico.

Enfim…

Essa foi uma experiência bem legal no geral. Era um projeto antigo que consegui colocar em prática esse ano. Os livros do Bandeira são ótimos para iniciação literária e eu recomendo para todas as idades. Além disso, é uma alternativa a livros estrangeiros como Harry Potter e Percy Jackson que também são starters.

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58%
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Mediano
  • Edição
    7
  • Narrativa
    6
  • Enredo
    5
  • Clímax
    6
  • Originalidade
    5
  • User Ratings (1 Votes)
    10
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Felipe Paiuca

Jornalista formado desde 2013 – o tempo voa. O primeiro livro da minha vida foi “O Menino que Aprendeu a Ver”, de Ruth Rocha, em 1999. Enquanto a minha geração se aventurava com Harry Potter, a série que me conquistou para o mundo da leitura foi Deltora Quest, de Emily Rodda. Não tenho livro favorito, pois não consigo escolher e sempre tento variar os gêneros literários de uma leitura para a outra para abranger os mais variados temas possíveis.

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