Começar a resenha de um livro por sua adaptação pode parecer muito estranho, mas Psicose é um caso excepcional. A história de Norman Bates e Marion (Mary) Crane, que envolve roubo de dinheiro, assassinatos em série e uma instigante investigação policial, ficou mundialmente conhecida graças ao longa-metragem de Alfred Hitchcock, diretor indicado cinco vezes ao Oscar.
Lançado em 1960, o filme que hoje é considera uma das obras-primas do horror não foi um sucesso total de crítica na época. Alguns especialistas de jornais americanos reclamaram da falta de ritmo do roteiro e da grande atenção que o diretor deu aos efeitos visuais (o que esse senhor pensaria dos diretores de hoje que escolhem utilizar alguns efeitos simplesmente para vender ingresso 3D?).
Mesmo com tais negativas, o longa foi um sucesso de bilheteria, arrecadando mais de 50 milhões de dólares ao redor do mundo. Além disso, recebeu quatro indicações ao Oscar em 1961 (melhor atriz coadjuvante, melhor fotografia, melhor direção de arte e melhor direção). Janet Leigh, por exemplo, que interpretou Marion Crane, sagrou-se vencedora na categoria Melhor Atriz Coadjuvante do Globo de Ouro do mesmo ano.
Soma-se a estas conquistas histórias, a influência que a obra exerce até hoje sobre diversas outras produções como filmes e séries de TV. Podemos dizer, inclusive, que a cena mais famosa do cinema mundial, o esfaqueamento de uma jovem debaixo do chuveiro acompanhado de a uma trilha sonora aguda, é fruto deste roteiro.
Para a atualidade
Apesar de ser algo totalmente diferente do que estamos acostumados hoje (filmes em que cabeças rolam, sangue espirra sem pudor e facas são enfiadas na barriga de meio mundo em sequências rápidas e que pretendem manter você acordado), Psicose é uma excelente experiência para quem está acostumado com os lançamentos do Cinemark.
Muito mais lento que as produções atuais (entenda que, apesar de ser fiel ao livro, existem cenas cortadas durante a adaptação), o longa-metragem consegue prender a sua atenção e te assustar mesmo sem mostrar os assassinatos em si. O clima que o diretor conseguiu imprimir na obra, com enquadramentos que garantem destaque às tenebrosas características do Motel Bates, como os bichos mortos empalhados, complementa o trabalho dos atores, com especial destaque Anthony Perkins, que consegue assustar com o olhar.
O filme também surpreende positivamente logo na primeira cena. Você não espera ver um ator e uma atriz (seminus) juntos em uma cama em um filme da década de 1960 – ainda mais depois que você descobre que os respectivos personagens sequer são casados. A quebra de paradigmas, de um filme comportado e cheio de pudores, pode ajudar a tirar a primeira cisma com o preto e branco (escolha do diretor, que achou que as cores deixariam tudo mais sangrento e afastaria o público).
Exibido pela primeira vez no Brasil em 1961, Psicose já pode ser encontrado no catálogo do serviço de streaming mais conhecido do País. Entretanto, o site não disponibiliza as continuações Psicose II, III e IV – nenhum dirigido por Hitchcock.
No papel
Mesmo tendo invertido a ordem de resenha, a sequência de consumo foi tradicional, livro e depois filme. Apesar de já conhecer a história graças a críticas lidas e amigos, o livro de Robert Bloch foi um ótimo entretenimento. Lançado nos Estados Unidos em 1959, a versão literária de Psicose (Amazon) agradou tanto a Hitchcock que o cineasta comprou todos os exemplares disponíveis na época e escondeu-os em um galpão. A ideia era preservar o desfecho do filme que pretendia produzir futuramente (talvez por isso, poucas pessoas saibam que o enredo teve origem no papel).
Um efeito semelhante ao ocorrido entre o filme o livro parece ter atingido seus respectivos idealizadores. Autor da obra original, Bloch, apesar de ter lançado outras histórias antes e depois de Psicose (como A Echarpe e Uma Tragédia Americana, entre outros 30 romances e mais de 200 contos), não atingiu o mesmo nível de notoriedade pública que outros escritores contemporâneos a si e, até mesmo, atuais. Nem mesmo as sequências da história de Norman Bates parecem ser do conhecimento do grande público.
Roteirista, Bloch também trabalhou nos scripts de vários filmes e seriados, incluindo o Alfred Hitchcock Apresenta, programa encabeçado pelo próprio diretor cinematográfico de Psicose. Amigo de outro expoente da literatura de horror, H. P. Lovecraft, responsável, entre outras, pela obra O Caso de Charles Dexter Ward (Amazon), os escritores trocavam cartas, mas jamais se encontraram pessoalmente. Lovecraft foi um dos leitores beta de algumas histórias do correspondente.
Influenciado pelas boas amizades ou não, a obra-prima de Bloch surgiu a partir de fatos reais. Baseando-se na história do assassino em série Ed Gein, preso pela polícia americana em 1957, o autor desenvolveu o enredo de Psicose. Apaixonada por um homem endividado, a personagem Mary Crane se vê tentada a roubar o dinheiro se seu chefe e fugir para junto do amado para que pudessem se casar. Entretanto, quando a mulher simplesmente some, sua irmã e o namorado começam uma intensa investigação para descobrir o que realmente aconteceu.
Em letras brasileiras
Reeditado pela Darkside em 2013, Psicose recebeu o tradicional tratamento da editora: um trabalho gráfico excelente que, na época, estava disponível em brochura e em capa dura. Com uma bela capa, extremamente representativa, mas em spoilers, a empresa caprichou na escolha do material, fontes e separação de capítulos.
O fato de Bloch ser roteirista parece ter ajudado em sua narrativa literária. Apesar de ser um pouco lenta, a sequência de fatos dá a imprensa de a história ser realmente um filme. O enredo já começa com um clima estranho e incômodo. Diferentemente do que se possa imaginar, uma das cenas mais importantes da história é apresentada logo de início, o que empolga o leitor e o faz seguir em frente. Existem alguns picos de adrenalina, quando estão ocorrendo ataques do serial killer, por exemplo, mas logo tudo volta para a calmaria de antes.
Assim como no cinema, o Norman Bates da literatura também é medonho, com o adendo de que nas páginas ele tem uma aparência completamente diferente e mais grotesca que nas telas. Já os outros personagens, não fazem muita diferença. Não é possível se apegar a nenhum deles. Contundo, isso não pode ser considerado um erro.
A grande falha mesmo acontece no desfecho da história. A prova cabal para que a os personagens entendem o que de fato aconteceu com Mary Crane é algo tão clichê, mas tão clichê que eu nem sei dizer qual foi minha reação. Era impossível que algo como aquilo passasse despercebido, simplesmente impossível. Para aceitar tal resposta, tive que lembrar que o livro foi escrito nos anos 1950, o que me proporcionou certa paz. Outro ponto que me incomodou bastante, mas não no sentido narrativo, foi a descrição dos livros e dos temas que compunham a estante do Motel Bates. Por minhas convicções pessoais, achei aquela parte extremamente perturbadora.
No geral, o livro deu muito certo. Este resultado, na verdade, só se deu, pois tudo parece ter sido feito de forma completamente despretensiosa. É uma história simples, com um único grande plot twist que pode de fato te surpreender. Infelizmente, por já conhecer a história, acabei não tendo esse momento revelação. Se você ainda não conhece essa história, aconselho a ler primeiro e assistir ao filme clássico depois.
Também é interessante ressaltar que, a base para a construção do serial killer de Psicose é a mesma utilizada na elaboração do outros personagens conhecidos do cinema e da literatura de terror. Entre eles estão os protagonistas de O Massacre da Serra Elétrica (Amazon) e O Silêncio dos Inocentes (Amazon).
Para a TV
Já há algum tempo, podemos perceber que o retorno de histórias antigas por meio de remakes, continuações e outros formatos estão em alta. Psicose não foge à regra. Em 2013, estreou no canal A&E da TV americana o seriado Bates Motel. Criado pelo produtor Carlton Curse, produtor executivo de Lost, o programa foi idealizado para contar a história anterior ao filme de Alfred Hitchcock, mostrando uma visão mais ampla de como tudo aconteceu.
Adaptada para os dias atuais, apesar de ser prequel, a série é um dos maiores sucessos dos Estados Unidos. Mais de 1,5 milhão de pessoas assistiram pela TV americana ao último episódio exibido até o momento. Renovado para sua quinta e última temporada, que tem previsão de estreia para 2017, o seriado alcançará a cronologia do filme de Hitchcock, o que garantirá ao público uma versão mais moderna da história de 1960.
-
Narração9
-
Desenvolvimento8
-
Clímax10
-
Edição10
-
Enredo10