Falar de um ídolo, principalmente mundial, é sempre muito complicado. É quase certo que aqueles fãs xiitas vão aparecer apontando o dedo na sua cara, enumerando os diversos motivos que fazem de determinada personalidade um ícone grandioso e de você, um mero mortal. Provavelmente, é assim que jornalistas, blogueiros e vloggers se sentem quando precisam criticar o Harry Potter. Não é o meu caso hoje.
Na primeira resenha de 2017, vamos falar daquele que, provavelmente, foi a pessoa que mais se aproximou do hall de grandes inventores como Thomas Edison, John Logie Baird ou Santos Dumont durante o século XXI. Tenho que confessar que não era (e ainda não sou) o maior fã de Steve Jobs, o cofundador da Apple. O que eu sabia sobre essa figura (até então) chegou até mim por meio do meu irmão, que trabalha na área de TI. Fora isso, nunca fui buscar muitas informações sobre o dono da maçã.
Escolha da leitura
Parte da minha meta de leitura de 2016, a biografia de Steve Jobs foi um dos meus presentes de aniversário em 2015 (dado pelo meu irmão, ora veja). A opção por inserir esta obra na lista de leituras do ano passado se deu pela empolgação com esse gênero de não-ficção – causada pelo recente acesso a livros como J. K. Rowling: A Biography, Depois de Auschwitz e A Fantástica História de Silvio Santos, entre outros.
Contudo, foi durante a leitura de A Loja de Tudo, de Brad Stone, que comecei a conhecer um pouco sobre Jobs (fato que consequentemente despertou em mim o interesse pela biografia tema desta resenha) . O livro, que conta a história da Amazon, o site de compras online mais poderoso do mundo, e seu criador, Jeff Bezos, relata diversos embates entre o cofundador da Apple e o empresário do comércio eletrônico. O mais relevante deles se refere ao mercado de ebooks, quando as plataformas Kindle (Amazon) e iBooks (Apple) disputavam ferozmente o direito de vender as versões digitais dos livros das mais conceituadas editoras dos Estados Unidos.
Em boas mãos
Justamente por Steve Jobs ser um ícone mundial, diversos autores já se debruçaram sobre sua história de vida. Entretanto, nenhum teve o mesmo êxito, ou a mesma oportunidade, que Walter Isaacson. Jornalista, ex-presidente da rede de televisão CNN e ex-editor da Revista Time, o autor foi “escolhido a dedo” pelo próprio biografado, que admirava o trabalho do escritor.
No entanto, é importante destacar que esse não é o típico livro encomendado. Isaacson garante ao leitor que nada passou pelo crivo de Jobs e que, como autor, teve total liberdade para conversar com as mais diferentes pessoas que conviveram com o cofundador da Apple, desde os amigos. até aqueles que se consideram traídos pelo ex-presidente executivo de uma das mais valiosas companhias da atualidade.
Nascimento, adoção e ressurreição
Filho de um imigrante muçulmano e de uma jovem americana, Jobs foi entregue para adoção, já que as famílias de seus pais biológicos não aceitavam o relacionamento de seus progenitores. A mãe de Jobs exigiu então que a criança fosse criada por um casal com pós-graduação, mas tal desejo não foi possível. O bebê foi entregue a um mecânico e a uma filha de imigrantes armênios. Para conseguir a criança, estes tiveram que garantir à mãe que o recém-nascido cursaria a faculdade.
Apesar deste acordo, Jobs não chegou a completar os estudos universitários. Por ser alguém diferenciado, com uma inteligência fora do comum, as aulas da faculdade entediavam o jovem Steve, que por consequência abandonou a educação formal e embarcou em uma viagem para Índia com o intuito de se descobrir.
Chega o sucesso
Após a busca e a conquista de experiências pessoais, o livro de Isaacson passa a narrar a criação da empresa que hoje conhecemos como Apple. As páginas percorrem o singelo início das operações da companhia em uma garagem e avançam na história passo a passo, mostrando a criação do primeiro Macintosh, máquina que revolucionou o mercado de computadores pessoais na metade da década de 1980.
O destaque dessas passagens ficam para o total envolvimento de Jobs no desenvolvimento de tal equipamento e na elaboração de toda a estratégia de marketing do produto, evidenciando o perfeccionismo e a personalidade intragável do empresário perante seus subordinados e fornecedores.
A primeira parte do livro culmina em uma das mais importantes reviravoltas da vida de Jobs e da Apple. Cheia de detalhes e depoimentos, toda essa fase é minuciosamente detalhada pelo autor, algo que pode ser um prato cheio para os fanáticos por tecnologia e design. Contudo, essa faceta do texto pode se tornar um fardo e um problema que segura a leitura. A vasta quantidade de detalhes acabam cansando o leitor em certos momentos.
Fracasso e recomeço
Bem diferente da primeira etapa, a segunda metade da obra de Isaacson se mostra mais dinâmica e interessante. O autor traz de volta a vertente pessoal do biografado, aliando-a ao lado profissional. Neste segmento, destacam-se os relacionamentos amorosos, o casamento, o início da família de Jobs e o recomeço profissional não tão bem sucedido dele.
Menos destacada, a criação da NeXT (um espécie de concorrente da Apple) é brevemente apresentada no decorrer da história, o que não é um ponto negativo, já que esta é uma das passagens mais monótonas de todo o livro. Desta maneira, abre-se espaço para uma sequência de fatos interessantes, como o envolvimento de Jobs na Pixar, o famoso estúdio de animação.
Aqui Isaacson descreve como o empresário considerado visionário no mundo da informática contribuiu para que a empresa de entretenimento se tornasse um dos grandes expoentes da indústria cinematográfica. Em certo momento, o escritor tira o foco do biografado e coloca a narrativa sob a perspectiva dos produtores de um dos maiores sucessos dos desenhos animados, Toy Story. É neste momento que podemos acompanhar as tensões da relação Disney/Pixar e parte da história de bastidor que envolveu um melhores filmes dos anos 1990.
Pé no acelerador
O processo de criação e lançamento de outros produtos que se tornaram ícones da Apple ganham os próximos parágrafos da obra de maneira totalmente dinâmica, sem os chatos pormenores que Isaacson decidiu inserir enquanto narrava o desenvolvimento do primeiro Macintosh. Tal mudança de narrativa faz com que essa segunda parte da obra seja muito mais interessante.
Desde a concepção original até as vendas, o livro mostra que Steve foi o grande responsável por sucessos como o iMac (aquele computador com gabinete colorido que fez muito sucesso aqui no Brasil), iPod (dispositivo que revolucionou o mercado fonográfico mundial), iPhone (uma evolução do último dispositivo citado) e iPad (projeto que curiosamente surgiu antes do celular Apple, mas por motivos estratégicos só chegou ao mercado depois).
Lado pessoal
Como pano de fundo para todas essas conquistas profissionais, a biografia de Jobs traz algo que os livros que narram as histórias de Silvio Santos e Jeff Bezos se esquecem, uma ênfase significativa no lado pessoal do protagonista. Além da relação com as namoradas, esposa e filhos, o texto também traz ao leitor diversas informações sobre o câncer contra o qual o empresário lutou durante anos.
Nestes momentos, principalmente quando a doença já está em estágio avançado, é possível ver o lado mais humano da figura pública Steve Jobs, algo que não existe em suas relações de trabalho. Seus problemas de saúde o afastaram diversas vezes da empresa, mesmo quando este exercia o cargo de presidente executivo. Creio eu que foi por meio destes momentos que pude criar uma mínima simpatia por essa tão controversa personalidade.
O veredicto
Fruto de um extenso e intenso trabalho de apuração jornalística, esse livro conseguiu provocar em mim algo muito raro, uma mudança de posição. Iniciei essa leitura não tendo muito apreço pelo biografado, no meio, acabei criando uma incrível antipatia por ele devido ao modo como tratava as pessoas e a irritante mania de desdenhar das ideias dos outros e descaradamente roubá-las na mão grande. Já no fim, reconheci o seu valor e compreendi o porquê de este homem ainda conquistar tantos fãs mesmo depois de sua partida.
Valeu a pena a experiência. Já começo a considerar uma biografia de Bill Gates e outros figurões da tecnologia. Querendo ou não, todos eles têm algo a nos ensinar. Penso que estas são leituras quase obrigatórias para aqueles que um dia sonham em desenvolver o próprio negócio.
Ficha catalográfica:
Título: Steve Jobs por Walter Isaacson
Título Original: Steve Jobs by Walter Isaacson
Editora: Cia das Letras
Páginas: 624
Onde comprar: Amazon
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Apuração10
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Narrativa7
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Edição8
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Abordagem9