Resenha – D. Pedro A História Não Contada, de Paulo Rezzutti

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O dia de hoje marca o tão aguardando bicentenário da Independência do Brasil, ou seja, 200 anos. A partir de 7 de setembro de 1822 D. Pedro I cortou oficialmente relações com Portugal e tornou o Brasil um país completamente livre da tutela de nações estrangeiras.

Celebrando esta data, trazemos D. Pedro – A História Não Contada – O Homem Revelado por Cartas e Documentos Inéditos, de Paulo Rezzutti. A biografia trata da vida do nosso primeiro Imperador dividindo-a em três partes, a primeira sua infância em Portugal, a segunda sua juventude e vida adulta no Brasil e a terceira o retorno e sua morte novamente em terras lusitanas.

Este livro está cheio de detalhes sobre a história do nosso país que não são ensinados na escola. O regime republicano, instaurado por meio de um golpe em 1889, buscou ao máximo apagar qualquer vestígio do nosso passado monárquico e teve sucesso nesta empreitada de diversas maneiras.

D. Pedro I representado na teledramaturgia pelos atores Marcos Pasquim (O Quinto dos Infernos), Caio Castro (Novo Mundo) e Reynaldo Gianecchini (O Natal do Menino Imperador) Fonte: Divulgação/TV Globo

Destruição da história

É comum que a cultura popular brasileira apresente os personagens que compuseram o período do Império de maneira caricata, debochada e em muitos níveis injusta. Já parou para pensar no que você aprendeu sobre este momento da nossa história na escola? O que sabe sobre D. Pedro I (mulherengo, irresponsável, traidor?)? E sobre D. Leopoldina (traída, resignada, infeliz?)? D. João VI (pateta, fraco, cômico)? D. Carlota Joaquina (desvairada, indomável, insuportável?)? D. Maria I (era simplesmente louca?)? E Domitila de Castro (a pega maridos, a devassa, a amante?)?

O livro de Rezzutti vem lançar luz sobre algumas dessas crenças que temos sobre essas figuras e por meio de documentos mostra o íntimo delas, expondo como, de certa forma, sua personalidade, suas contribuições para desenvolvimento da nação e suas complexas vidas foram reduzidas. As modificações propostas pelos republicanos foram levadas inclusive às cores nacionais. O verde das florestas, o amarelo do ouro e o azul das águas não tinham originalmente esses significados. Usamos até hoje cores que representam as casas nobiliárquicas que governaram nossa nação desde os primórdios.

D. Pedro I, que não nascera para ser rei, enfrentou grandes dificuldades quando assumiu a regência e posteriormente o trono do Brasil. Ele encontrou em sua esposa, D. Leopoldina, uma parceira muito mais hábil politicamente e muito mais culta. Juntos, conseguiram conduzir o nosso País em tempos severos, repletos de revoltas e demandas de Portugal, que não aceitava perder a maior de suas colônias tão facilmente. Para isso, intensas articulações políticas foram travadas, o que levou a momentos históricos como o Dia do Fico e o Dia da Independência.

D. Pedro I e a Constituição de 1824 por Manuel de Araújo Porto Alegre. 1826

Avanços do Império

O primeiro Imperador do Brasil foi responsável por dar a primeira constituição ao País. Curiosamente, este foi um dos períodos de maior estabilidade política com relação a direitos da nossa história. A carta magna manteve-se vigente por 65 anos, a maior durabilidade constitucional até hoje (1824-1889). Após a proclamação da república já passamos por outras seis.

Já nesta primeira lei-maior, D. Pedro introduziu direitos que até hoje vigoram no Brasil, como o direito inviolável à propriedade privada e o entendimento de que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade competente, além do direito universal à educação. No que toca à escravidão, o autor destaca que era a vontade do Imperador acabar com o regime desde a promulgação da constituição de 1824, porém foi impedido pelos políticos da época, visto que o Brasil era sim uma monarquia parlamentarista que contava com uma Assembleia Nacional que equivalia ao que hoje conhecemos como Congresso Nacional, onde políticos eleitos debatiam e criavam as leis que vigorariam neste recém-criado Estado.

Um líder para refletir

Conselho de Estado presidido pela então ´Princesa Consorte do Brasil D. Leopoldina exercendo a chefia de estado enquanto regente por Georgina de Albuquerque

O livro traz também alguns pontos que são importantes para reflexão atual. D. Pedro I abdicou de nada menos do que duas coroas, uma do Brasil e a outra de Portugal, quando percebeu que sua permanência na chefia de estado não traria benefícios aos dois países. Sendo assim, abriu mão de seu poder em prol de causas maiores. Qual político de hoje faria isso?

É importante ressaltar também que muitas das perdas que a monarquia brasileira sofreu foram resultados que tiveram como causas práticas que hoje não seriam aceitas. Na abdicação de Pedro I, por exemplo, houve muito de xenofobia. Alguns brasileiros não queriam portugueses por aqui depois da independência. Já o golpe da proclamação da república teve como origem o racismo por parte dos poderosos, que jamais aceitaram a abolição em 1888, e o machismo desta mesma sociedade que não concebia a possibilidade de uma mulher (Princesa Isabel) sentar-se no trono como Imperatriz reinante para comandar os rumos da nação.

O papel de D. Leopoldina foi reduzido com o passar dos anos. Ela, na verdade, tinha grande influência no governo e foi a primeira mulher a ocupar o posto de chefe de estado, tendo sido nomeada regente por seu marido em duas oportunidades. Amada pelo povo até sua morte, a Imperatriz sofreu muito frente aos relacionamentos extraconjugais de D. Pedro (principalmente com Domitila de Castro, a Marquesa de Santos), o que desgastou a imagem do monarca inclusive internacionalmente. Ao tentar um segundo casamento, o Imperador teve de se conformar com D. Amélia de Leuchtenberg (segunda Imperatriz do Brasil), que apesar de bela já não pertencia às principais casas nobres da Europa.

Herói renegado

Independência ou Morte por Pedro Américo

Cheio de defeitos como qualquer pessoa, D. Pedro I de fato tinha seus vícios (amantes em geral, o que o levou a ter muitos filhos, Rezzutti aponta no livro cerca de 30). Entretanto, durante sua vida, principalmente como Imperador, mostrou-se dedicado e ativo. Viajou por diversos locais do País com o intuito de resolver os problemas enfrentados pelo Brasil mesmo sabendo de suas precárias condições de educação e saúde – visto que ele era epilético. Passou por diversas revoltas e guerras, deixando seu posto como monarca brasileiro para reestabelecer a ordem em Portugal, retirando seu tirânico irmão do trono lusitano e restituindo-o a sua filha D. Maria II.

Este livro, portanto, é de leitura obrigatória para quem gosta de política e história. Deveria sim ser trabalhado na escola, pois além dos eventos dos quais trata, traz também curiosidades interessantíssimas sobre a nossa cultura, como a origem de expressões como “a ver navios” (relacionada a partida da família real portuguesa para o Brasil) e “Maria vai com as outras” (relacionada ao estado de saúde da Rainha Maria I, a Louca). E, como se não bastasse, nos proporciona reflexões incríveis, inclusive sobre a classe política de hoje e seus hábitos, expondo de onde tais comportamentos surgiram e como são praticados até hoje mesmo mais de um século após a proclamação da república.

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Jornalista formado desde 2013 – o tempo voa. O primeiro livro da minha vida foi “O Menino que Aprendeu a Ver”, de Ruth Rocha, em 1999. Enquanto a minha geração se aventurava com Harry Potter, a série que me conquistou para o mundo da leitura foi Deltora Quest, de Emily Rodda. Não tenho livro favorito, pois não consigo escolher e sempre tento variar os gêneros literários de uma leitura para a outra para abranger os mais variados temas possíveis.

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