770 páginas de fé, loucura e… cansaço?
Olha… Não é sempre que a gente decide enfrentar um calhamaço de 770 páginas. Ainda mais com aquele receio silencioso de: “Será que vai valer a pena?”. No meu caso, a aposta veio por um motivo específico: Stephen Chbosky, o mesmo autor de As Vantagens de Ser Invisível – livro que li há uma década (sim, dez anos!) e que, na época, gostei muito. Hoje? Não sei se a releitura me causaria o mesmo impacto.
Agora, Chbosky resolveu brincar de Stephen King, com ecos muito evidentes de It – A Coisa, O Iluminado e até um pouco de A Espera de um Milagre. E mais: acrescentou à mistura uma boa pitada de Neil Gaiman, especialmente aquele clima de O Oceano no Fim do Caminho – e alguns dizem de Coraline também –, e ainda um toque de Stranger Things, a série mais bem sucedida da Netflix nos últimos anos. A receita era boa. Será que deu certo?

Mãe, filho e um começo promissor
O plot trata de Christopher, um menino disléxico, e sua mãe, que estão buscando um recomeço para suas vidas após fugirem de um homem abusivo. O que eles não imaginam é que a cidade que escolheram para esse reinício guarda muitos segredos, incluindo um tipo de mundo paralelo (um upside down de Stranger Things, porém com várias metáforas religiosas).
O garoto verá sua vida transformada e terá em suas mãos uma missão muito importante: construir uma casa na árvore antes do dia de Natal para impedir que todos naquela cidadezinha morram. Qual o custo disso? Mãe, filho, amigos e até mesmo um senhor meio rabugento deverão se unir e arriscar suas vidas para impedir que forças das trevas consigam ultrapassar o véu que separa os dois mundos.
Nos primeiros 20% da obra (umas 154 páginas, veja bem), você se engaja facilmente. Chbosky constrói um clima de mistério, suspense leve, e algumas ideias bem interessantes. O problema? É um livro que depende muito do seu humor e às vezes flui e às vezes emperra.
Onde o autor quer chegar?
Essa pergunta me perseguiu por grande parte da leitura. Nos primeiros 20% da obra (umas 154 páginas, veja bem), você se engaja facilmente. Chbosky constrói um clima de mistério, suspense leve, e algumas ideias bem interessantes. O problema? É um livro que depende muito do seu humor. Às vezes flui e às vezes emperra.
Em determinado momento, o livro ganha um ritmo de encerramento, mas ainda faltam 300 páginas para chegarmos lá. E aí mora o problema: falta edição. Muita. Dá pra cortar fácil umas 200 páginas sem perder nada essencial. A obra sofre de excesso de reviravoltas e cliffhangers forçados, além de muitas trocas de pontos de vista desnecessárias.
No final, quando autor vai pulando de personagem e personagem, fica evidente que ele está fazendo isso para segurar a história de propósito, o que tira a paciência do leitor. É ponto de virada atrás de ponto de virada, atrás de ponto de virada, atrás de ponto de virada, atrás de ponto de virada… cansou? Eu também.

Fé, religião e YA?
Uma das grandes surpresas foi a presença constante de elementos do católicos na trama. Não estamos falando de doutrinação, calma. Mas há passagens bíblicas, nomes simbólicos (Christopher, pro exemplo) e dilemas de fé aparecendo aqui e ali, o que é bem raro no universo YA – que, sejamos honestos, tem corrido na direção oposta.
Isso é curioso e positivo, pois é totalmente diferente do que tem aparecido por aí. Na verdade, aqueles temas que têm ganhado as capas da literatura jovem adulta com mais frequência atualmente são colocados nessa história, boa parte, como temas de figuração ou de muito menor relevância.
Os personagens… são. E só.
Aqui mora outra questão. Em It, do King, a gente vira parte do Clube dos Perdedores. A gente sofre com eles. Em Amigo Imaginário, não é bem assim. Os personagens secundários, principalmente as crianças, não têm o mesmo carisma, nem a mesma profundidade. A exceção talvez seja o Christopher (protagonista), a mãe dele, o xerife e Ambrose.
Ah, e teve uma personagem com quem criei identificação pessoal: Matt, o menino com estrabismo e tampão ocular. Como alguém que passou anos com tampão no olho e que até hoje carrega o estrabismo, foi impactante ver isso representado. Nunca tinha lido um personagem assim.
Mil referências e um final cansativo
Além das influências de King e Gaiman, o livro ainda joga na sua cara referências como a música “Blue Moon”, que me remeteu direto à abertura de O Beijo do Vampiro (sim, a novela da Globo!). Coincidência ou não, essa história também envolvia crianças e terror leve, então a conexão bateu.
Já o final… ah, o final. A narrativa se arrasta, se contradiz, se complica à toa. Há contradições religiosas graves para quem é cristão e se atenta a esses detalhes. Afinal SPOILER ALERT (mas de leve) ou se é onipotente ou não se é, porque se sou, então comigo ninguém pode. Simples assim.
Vale a leitura?
O livro tem seus momentos e prende, sim, a atenção. Mas também exige paciência e boa vontade. O problema é que promete ser algo próximo de It, mas não entrega nem metade da potência emocional e narrativa do clássico do King.
Se você gosta de histórias longas, com pegada espiritual, alguma dose de terror e muitos devaneios, talvez funcione. Mas vá sabendo que não é imperdível, nem revolucionário. E que, sim, o livro merecia um bom editor com coragem de cortar páginas como quem tinha que cortar as unhas do Zé do Caixão.
Feito para as telas?
Ah, e sobre adaptação? Chbosky é roteirista, então o livro já parece ter sido pensado pra virar filme ou série. Mas, com crianças armadas e cenas tensas… acho difícil encaixar tais coisas no mercado atual.
No fim das contas, matei minha curiosidade. Esperei anos pra saber o que Chbosky faria depois de As Vantagens. Agora eu sei e já não espero por uma terceira história como esperei por essa. Tem gente que nasce para parir só um filho mesmo!
Curtiu a resenha? Então comenta com a gente lá no @Capitulares!
-
Enredo7
-
Narrativa5
-
Originalidade4
-
Personagens6