Eu indico uma segunda chance

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Como quase tudo no universo da literatura, o tema do Eu Indico de hoje começa no hábito de leitura. É mais que sabido pelas pessoas que convivem no mundo literário que o Brasil é um país em que  população em geral não adquiriu o hábito de leitura. Benefícios como ampliação de vocabulário, aquisição de diferentes tipos de conhecimento e melhor desempenho profissional não têm sido suficientes para atrair crianças, jovens e adultos para os livros. Continuamos sendo o país que lê em média 4,96 livros por ano, de acordo com a Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil.

Apesar de ser comprovado, por meio do mesmo estudo, que o hábito de leitura começa a ser construido em casa, pelo exemplo dos pais, é na escola que a maioria dos brasileiros têm seu primeiro contato com o livro. É aí que o problema começa. Muitos alunos só atribuem importância aos livros quando chegam ao Ensino Médio, etapa final da educação básica no Brasil. Essa mudança de postura se dá pelo fato de os principais vestibulares do País (Fuvest e Comvest) têm como requisito obrigatório a leitura de obras clássicas da língua portuguesa.

Xeque-mate

Eu indico uma segunda chance | A Cidade e as Serras | CapitularesEste é o golpe final. Para um jovem que não construiu o hábito de ler e interpretar textos no decorrer de sua infância, a leitura de livros clássicos na fase da adolescência é maçante, difícil e incômoda. Essas obras, que surgiram em diferentes épocas da história, como Idade Média, Século XIX e início do Século XX, exigem muito mais atenção e discernimento até mesmo daqueles que leem com frequência. Quase todos nós, que já passamos da fase escolar e carregamos esse hábito para a vida, temos um livro que foi nosso algoz (nos deu muita dor de cabeça) durante a juventude.

No meu caso, a obra de que guardo péssimas recordações trata-se de A Cidade e as Serras, de Eça de Queiroz. Eu não suportava o personagem Jacinto e suas reclamações sem fim sobre tudo e todos. Costumo dizer que, depois que terminei a leitura, coloquei o livro na mesa de cabeceira e dormi por quatro horas seguidas (isso é verdade). Contudo, esse trauma não me afastou dos livros – talvez porquê este tenha sido o único “livro de vestibular” que eu de fato me obriguei a ler.

Sim, eu creio que o meu gosto pela leitura tenha se desenvolvido justamente pelo fato de eu ter dito não àqueles livros clássicos que não me agradavam. Não me entendam mal. Eu passei horas muito divertidas com aqueles que me apeteceram, como Dom Casmurro, Memórias de Um Sargento de Milícias e Capitães da Areia. Contudo, nunca suportei que alguém, seja professores, pais ou chefes, ditassem o que eu devia ou não ler. Tudo dependia da meu momento.

Evolução de um leitor

Assim como na vida, na literatura o leitor passa por diversas fases. Quanto mais ele lê, mais se prepara para encarar aquelas obras mais complexas e cheias de nuances. O modo como você encara determinadas obras depende do momento da sua vida e do repertório adquirido no decorrer dos anos. É por isso que dar segundas  chances a autores e livros que antes receberam um NÃO é fundamental para um leitor.

Se em 2009 eu literalmente dormi com A Cidade e as Serras, em 2013 decidi que era hora de tentar Eça de Queiroz novamente. O título escolhido foi O Crime do Padre Amaro. Uma crítica fulminante à igreja católica e à sociedade portuguesa do século XIX, a obra me prendeu com seu enredo ousado e quase proibido. Foi o fim da minha cisma com o tio Eça. Hoje, já espicho meu olho para o lado de O Primo Basílio.

Eu indico uma segunda chance | Iracema | CapitularesRecentemente, passei de novo por uma experiência parecida. Desta vez, com o tão temido José de Alencar e seu livro Iracema – A Lenda do Ceará. Coloquei a obra como meta de leitura para 2017 (parte do meu projeto pessoal de leitura de clássicos de língua portuguesa) e, assim que comecei a ler, percebi que em 2007 não havia sequer passado do primeiro capítulo. Sim, minha cabeça adolescente havia reprovado um livro que na verdade é incrível apenas pela leitura do primeiro capítulo. Longe de mim dizer que foi um texto muito simples de se ler. Havia momentos que eu tinha que reler parágrafos mais de três vezes. Mesmo assim, foi sensacional perceber elementos de obras de fantasia contemporânea em um livro nacional de séculos atrás.

E você, já deu uma segunda chance para um autor ou livro e mudou de ideia? Conta pra gente!

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Jornalista formado desde 2013 – o tempo voa. O primeiro livro da minha vida foi “O Menino que Aprendeu a Ver”, de Ruth Rocha, em 1999. Enquanto a minha geração se aventurava com Harry Potter, a série que me conquistou para o mundo da leitura foi Deltora Quest, de Emily Rodda. Não tenho livro favorito, pois não consigo escolher e sempre tento variar os gêneros literários de uma leitura para a outra para abranger os mais variados temas possíveis.

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